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7 de fevereiro de 2025

‘Anora’ e a ilusão da escolha

Um conto de ingenuidade, poder e a incômoda perspectiva masculina

THAÍS LEMOS


Jornalista, marketeira e escreve sobre tudo e qualquer coisa

Anora – ou Ani, como gosta de ser chamada – é uma stripper em Nova Iorque que se deixa levar pela ingenuidade ao conhecer Ivan, filho mimado de um oligarca russo. Ele começa a contratar os serviços de Ani, até propor que ela seja sua namorada fixa por uma bela quantidade de dólares e, posteriormente, que largue seu emprego para assumir esse papel de vez. ALERTA SPOILER: se você é mulher, já entende como a história vai acabar a partir disso. 

Apesar de ser definido como um filme de comédia, senti uma tensão crescente a partir do momento em que Ani resolve se jogar de cabeça nesse relacionamento, esperando apenas o momento em que a merda seria jogada no ventilador. E, bom, quando isso acontece, pode ter certeza de que não é pouca merda. O casal se casa em Las Vegas, os pais descobrem da pior maneira e enviam seus capangas atrás de Ivan para anular o matrimônio.

Meu desconforto com o filme não veio apenas da ingenuidade de Ani, mas de toda a narrativa em si. Eu tinha certeza de que Anora não passaria no Teste de Bechdel, que, por meio de três perguntas, questiona se a participação feminina faz diferença no enredo dos filmes: há pelo menos duas personagens femininas com nomes? Elas conversam entre si? O assunto da conversa é algo que não seja um homem ou romance?

A resposta é que sim, “Anora” passa no teste, embora com um resultado duvidoso. E mesmo que Ani seja uma stripper que se prostitui, é muito desconfortável assistir o ponto de vista masculina tão marcada. O olhar do filme é claramente machista e, em muitos momentos, chega a ser repulsivo. Ani parece estar a um passo de dar a volta por cima e conquistar qualquer coisinha, mas a recompensa nunca chega. “Faz parte da narrativa”, você pode dizer. Mas a gente sempre sabe quando o machismo larga a mão da ficção e faz parte do ponto de vista de quem está contando a história.

A cena final é devastadora e transforma Igor, um dos capangas russos que acompanha toda a trama, quase em um herói. O diretor Sean Baker o coloca em perspectiva diversas vezes, como se fosse o único a compreender a enrascada em que Ani se meteu.

Mas quem aguentou toda a merda, quem foi humilhada e tirada de trouxa, não recebe nenhum alívio final. É angustiante, mas não foge muito da vida real.

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