FELIPE LIMA
Jornalista, é fundador da agência Leopoldo Electrical Group
Comecei a escrever este artigo há alguns meses, logo que a Mubi lançou “A Substância”. Jamais imaginaria que o filme iria parar no Oscar. A atriz, até, vá lá. Agora, selecionarem o filme, a mim, pareceu escárnio. Como, aqui n’O Albatroz, escreveremos sobre todas as obras indicadas a melhor filme, este texto, que, na realidade, estava quase abandonado, retoma sua carga de utilidade. Faço, portanto, este registro para que o leitor entenda a localização no tempo e no espaço das ideias que seguem.
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Finalmente, assisti ao tal “A Substância” e, digo logo, não gostei. Desde o didatismo exagerado da estrela na calçada da fama simbolizando o passar do tempo, até as obviedades de tudo o que viria a acontecer, o que fica mesmo na mente é o mal-estar do sujeito comendo camarão, do dedo podre, das entranhas e inúmeras outras grosserias do corpo humano que, diga-se, de humano, ali, não tem quase nada.
Uma amiga levantou a lebre: este é um filme feito para mulheres, por isso você não gostou – ou, na pior das hipóteses, não entendeu. Eu entendi, sim, ora bolas! Entendi estar vendo uma Demi Moore lindíssima, no auge da maturidade, sendo jogada para escanteio por um personagem que, diga-se, deveria andar com camisa de força, e não sabendo lidar com a situação. Dali em diante, é ladeira abaixo. Caso contrário, é bem verdade, não haveria filme.
Eu não quero entrar aqui no mérito da eterna busca pela beleza, ou da nossa insegurança diante do próprio corpo. Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é e tem todo o direito de buscar os meios que julgar necessários para se sentir melhor consigo mesmo. Também não me interessa apontar as barbaridades narrativas ali presentes, como o absurdo de injetar algo no próprio corpo sem saber a procedência, ou de ser capaz de costurar uma coluna sem nunca tê-lo feito. Isso sem falar na inexistência da nossa velha amiga septicemia, essa danada. Eu entendo tratar-se de uma alegoria, deslocada no tempo e no espaço, e essas questões menores e mundanas ficam do lado de fora.
O ponto maior que trago aqui é quanto à ideia em si, que, diga-se, é muito boa e tinha de tudo para funcionar – uma vez, é claro, que concordemos em ignorar completamente os absurdos supracitados. O problema, afinal, reside na incapacidade do ser humano de não interferir em algo que, se não interrompido, simplesmente acontece. Nosso bom Ziraldo dizia: “A vida flui. Se você não atrapalhar, as coisas acontecem com a maior naturalidade”. No filme, é a mesma coisa.
Algo em nós, raça humana, acaba sempre nos levando a rasgar a barriga da galinha dos ovos de ouro em vez de esperar pela postura, ao seu tempo, garantindo ouro ad aeternum. Ansiedade, talvez? Autossabotagem? O fato é que, por mais absurdo que tudo ali fosse, funcionava. Ela poderia estar até agora sendo as duas e brilhando. Mas, não.
Tem uma passagem do saudoso seriado “Breaking Bad” da qual eu sempre me lembro nessa hora. Depois de muita encrenca, morte e confusão, Pinkman e White conseguem se estabelecer em um excelente laboratório, financiado por um cara justo e sensato, ganhando um bom salário, etc e tal. Se fossem capazes de manter aquilo, estariam lá até hoje, longe dos olhos da lei, dos inimigos e com os bolsos cheios. Mas, não. Não me lembro exatamente o que, mas alguma imbecilidade daqueles dois coloca tudo a perder. É isso. A imbecilidade, despreparo emocional e molecagem da personagem de Demi Moore colocou tudo a perder de algo que poderia estar funcionando muito bem para sempre. E isso me incomoda enquanto trama, enquanto vida. E eu não sei explicar o porquê disso. Simplesmente somos assim.
Outra coisa que eu não sei explicar é por que “A Substância” foi indicada ao Oscar. Não sei. Roteiro fraco, argumento óbvio, atuações medianas, efeitos especiais banais, escatologia barata. Tem coisas que são inexplicáveis – bem como alguém injetar no próprio corpo um líquido ignoto que foi buscar em um beco sujo da cidade – e a presença deste filme na premiação é uma delas. O rescaldo, enfim, pelo pouco que podemos tirar de lição de toda essa bagunça, parece ser: meninas, cancelem o botox da semana que vem e parem de buscar freneticamente pela juventude eterna; caso contrário, se transformarão em um monstrengo caótico e ridículo diante da plateia.
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